As cartas e a saudade

07/09/2015 20:05

Numa tarde de domingo,  ausente da rotina  da semana, apenas  deitada no sofá e refletindo sobre a minha infância, os sentimentos de menina  se revelavam . A cada lembrança, as feridas apontavam os momentos citilantes ao lado  daquele menino, seu jeito e sorriso tão singular a cada vez que encerrava os olhos. Abri um sorriso repentinamente, e ao mesmo tempo, as lágrimas transbordavam por ter perdido uma parte de mim, contudo sinto-me feliz de ter vivenciado a passagem mais  pura e recordativa. Retirei aquelas más lembranças que roubavam a alegria,  e pus a escrever para que a nossa história não fosse apagada pela maldade do tempo, mas que pudessem ver a significância de seus dias breves, mas contentes.
Juntos,  sob a sombra das árvores que haviam ao redor da vizinhança, conversávamos e ríamos sem pausas e falávamos dos amores e das mazelas da vida, apesar da pouca idade parecíamos mais adultos do que a senhora que ficava de olho em   nossa conversa.  Sem saber  a menina de que  tanto falava  estava a sua frente. Me calava todas as  vezes que a pronunciava como a única e verdadeira, porque o queria tanto, mas escondia veemente com receio de que nossa amizade findasse. Nos sentíamos bem em compartilhar os nossos sonhos . Ele conhecia os meus: em escrever um livro e ser médica veterinária,  mostrava os pequeno versos que escrevia em meu diário, e ria de mim. Ficava brava com seus desboches, mas o seu olhar deixava-me confusa por ser tão fixos e expressivos, porém imaginava que não passasse de um sentimento de amigo. O interessante é que  falava que seu sonho estava além dessa matéria, que não poderia ser realizado num plano físico. Pedia para que ele se calasse e não pronunciasse tal escolha, sem imaginar que tudo o que afirmava havia sentido.  
Ao entardecer, as luzes da cidade se apagaram , e ficamos a sós ,  apenas ao som das folhas sendo tocadas pelo vento.  Senti calafrios passando pelo meu corpo como se o adeus estivesse bem próximo .  Logo meu melhor amigo percebeu que eu não estava bem, e em seguida, me surpreendeu com um abraço e um olhar que nunca havia revelado. Seguidos de palavras confortantes e de sorrisos afetuosos, senti minhas mãos congelarem, e comecei a gaguejar. Fiquei imobilizada por não ter sentido algo tão semelhante, apenas inventei  na memória e escrevi em meu diário o que desejava há tempos, porém nunca o deixei ver essa parte.
Engoli a saliva e tentei me desvincular de seus abraços para que não avistasse meus medos, mas os seus olhos continuavam a me observar inexoravelmente. Perguntei por que me olhava tanto, e com um toque nos meus lábios disse que há muito tempo esperava por mim e que não conseguia mais esconder seus sentimento. E que a demora da declaração se deu por conta de seus medos futuros. Disse que aquela menina doce e  única de que tanto falava,  olhava para ele com espanto e tenacidade.  - As cartas de  que tanto escondia vieram comigo, pois por descuido  deixou que caísse do seu diário, perdoa-me se não me contive em lê-las, mas fico feliz por me amar, assim como eu te amo . Ao terminar suas palavras,  emudeci instantanemanete, como se estivesse sonhando ou tentando não acordar daquele sonho. Afetuosamente ele tocou no meu rosto, acariciando meus cabelos, em consequência disso, nosso olhares foram interrompidos por aquele beijo. Só fiquei meio insegura por nunca ter beijado antes , mas até hoje vive em meus pensamentos.
Tudo parecia tão feliz. Não cansava de ouvir a nossa música predileta, de  rir das histórias que inventava, sonhávamos e queríamos permanecer juntos até o fim da nossa vida. Só fujo desse pesar para que a tua ausência não seja  empecilho para continuar a viver. Lembro de quando sua mãe me gritou pela janela, e ao ver-te debruçado na cama, suas últimas palavras foram: Deixei minhas dores de lado para que pudesse te ver  sorrir,  este foi o motivo que impulsinou-me a viver feliz mesmo sentindo náuseas,  irei em paz por você ter me amado,  apesar de meus cabelos desfalecerem  . E com um sorriso se despediu,  dizendo que pediria a Deus pra continuar a cuidar de mim. E sua respiração cessou. Meu anjo se foi, depois de ter passado por várias sessões de quimioterapia, mas até hoje permanece.

 

Daniela Cavalcante